Por André Gobbo, membro da cadeira n. 08 (2000)
Excelentíssimo Senhor Paschoal Apóstolo Pítsica, Digníssimo Presidente da Academia Catarinense de Letras
Excelentíssimos confrades imortais da Academia Itapemense de Letras
Prezados Senhores e Senhoras
Há 103 anos atrás, numa cerimônia semelhante a que vivemos neste momento um dos nossos grandes, senão o maior, literário brasileiro, Machado de Assis, dizia aos seus confrades enquanto assumia a presidência da Academia Brasileira de Letras: “Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles transmitam aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da vida brasileira.”; roubo esta frase imortal do nosso grande mestre para abrir este discurso que me garante a oitava cadeira da Academia Itapemense de Letras, para a qual escolhi como patrono o sempre querido e, com certeza imortal, Dom José Gomes, que atualmente, aos 79 anos de idade, é, sem dúvidas, uma das mais expressivas personalidades catarinenses.
Foi com ele que convivi durante alguns dias com o intuito de contar em livro a sua história. No início éramos meros desconhecidos, mas o tempo passou e se encarregou em aguçar a minha admiração pelo seu jeito de ser, pelas suas obras e pelo seu legado que cada vez mais me seduziam. O considerava como um mestre e mesmo não sabendo ao certo qual meus objetivos, pedia ele, pela sua simplicidade e humildade, que não o transformasse num “santo”.
Viajamos pelo tempo. Parte por parte da vida de Dom José Gomes eram lembrados e registrados no gravador velho – único companheiro de nossos encontros – e no meu coração. Nos momentos que passávamos juntos, comungando de mesmas idéias, revivíamos suas andanças pelos campos, pelos acampamentos de trabalhadores rurais sem terra, pelas terras disputadas entre índios e colonos e pelas ameaçadas de serem invadidas pelas inundações das barragens, entre tantas outras.
O tempo passava muito rápido. Parecia ir contra a minha vontade, pois me sentia bem ao lado de Dom José Gomes, que nasceu na cidade de Erechim, no interior do Rio Grande do Sul, aos vinte e cinco dias de março de 1921, filho de agricultores com fortes marcas da Igreja Católica Apostólica Romana.
Não podíamos perder tempo, pois o mestre estava sempre atarefado. Horas e horas passavam sem notarmos. Com a voz suave ele contava histórias. Algumas eram divertidas, outras revoltantes e emocionantes. Algumas lágrimas eram sufocadas no coração; outras, mais aventureiras, corriam pela face e regavam o coração. Risos também não faltaram! Muitas foram as ocasiões que mestre e aluno sorriam juntos, revivendo a alegria de momentos passados e presentes.
Longe de me considerar um biógrafo de Dom José Gomes, escrevi a obra “Dom José Gomes – Peregrino dos Campos”, obra esta que inclui meu nome na preciosa lista dos escritores itapemenses e na qual tento traçar o perfil de um bispo gaúcho, descendente do sangue espanhol e italiano, que em 1968 encontrou no Estado de Santa Catarina o seu território para trabalhar com o Evangelho e praticar as palavras de Cristo através da intensa defesa dos mais pobres e marginalizados.
Considero-me, porém, como mais uma semente semeada e regada por Dom José Gomes, que com o tempo, germinará, florescerá e lançará no solo brasileiro novas sementes capazes de perpetuar a imagem, a obra, a luta e as vitórias deste bispo. Ou então transformar-me-ei num agoureiro da paz. Sim, porque Dom José é paz. Transmite a paz! Aquela paz conquistada com a luta social organizada, onde os marginalizados e excluídos desta sociedade não temem erguer suas bandeiras exigindo os direitos de terem comida, moradia, saúde e educação, entre outras tantas necessidades para que todos tenhamos uma vida digna.
Com tanta admiração por sua luta sinto-me incapacitado de conceituá-lo ou então, compará-lo com alguém. Com certeza faltariam palavras que expressassem sua imagem. Para mim, Dom José é tudo. Porém sua humildade é o que mais encanta e fascina, não somente a mim, mas também a milhares de fiéis, católicos ou não, que reconhecem o seu trabalho entregue à missão religiosa e despreocupado com bens materiais. Sua alma é imensa, pois difunde, incansavelmente, a palavra de Deus, denuncia a opressão e clama por justiça e fraternidade. Nem mesmo o passar do tempo é capaz de acabar com suas forças. Dom José continua em pé, firme e forte, como um verdadeiro “Peregrino dos Campos” (nome de minha primeira obra) rasgando as estradas barrentas do oeste catarinense. Acolhe a todos os que lhe procuram, viaja pela diocese ungindo a cabeça de milhares de jovens com o óleo do crisma, clamando pela justiça social, denunciando os erros, e evangelizando. E isso muito me orgulha e impulsiona em escolhê-lo como patrono da minha cadeira na Academia Itapemense de Letras, mérito este que mais uma vez servirá como elo para que o seu nome fique gravado na mesma história que a minha.
Ao concluir afirmo que hoje, gloriosamente, Itapema ganha uma nova constelação de estrelas. Essas, porém, tornam-se imortais pela sua sabedoria, por suas obras e pelo compromisso assumido em trabalhar para semear novos pensamentos e novos estilos de cultura. Honrosamente cabe-me o título de Presidente desta Academia e ao despedir-me, torno público meus agradecimentos a todos os confrades que tornaram possível a realização deste sonho de implantarmos em Itapema uma agremiação tão nobre como esta. Sejamos felizes e fortes o suficiente para cumprirmos as missões que a partir de agora nos são confiadas.
Florianópolis (SC), 1º de setembro de 2000
André Gobbo
Presidente da AIL