BALEIAS E SEREIAS

BALEIAS E SEREIAS

©CARLOS HIGGIE

Valdeci não era um grande pescador. Herdou do pai a profissão, mas ele queria ser cantor. Sertanejo, de preferência. Almejava cantar na televisão, gravar discos, ser famoso. Era um sonhador. Não tinha voz e seus amigos o achavam muito chato quando começava a cantar.

A cidade era pequena e todos sabiam a vida de todos. Por isso, Valdeci tinha fama de louco. Um dia, ele voltou do mar com uma história muito esquisita sobre peixes luminosos e disformes, e de uma baleia enorme e transparente, uma baleia fêmea, grávida e de cristal. Ninguém queria sair para pescar com ele, ninguém queria ser chamado de louco.

Ele não tinha namorada, pelo menos conhecida. Quando o desejo batia muito forte, ele corria para uma “casa de vida alegre” e pagava por alguns momentos de prazer. Voltava satisfeito e falava para todos que uma das meninas estava perdidamente apaixonada por ele, que juntaria dinheiro e a tiraria daquela vida de sacrifícios diários e noturnos.

Certo dia, saiu para pescar, sozinho como sempre. Sem perceber, se viu no meio de uma tempestade terrível. Lutou contra o mar até que caiu desmaiado no fundo da sua embarcação. Quando acordou, já tinha escurecido, as estrelas furavam o manto preto da noite. Só escutava sua respiração cansada e as batidas do seu coração. Não sabia onde estava. Uma voz melodiosa, suave ao princípio e forte depois, começou a entoar uma canção doce e sedutora. Não enxergava quem cantava, porém sabia que era uma mulher. Uma mulher no mar? Cantando? Escutou uma batida à sua direita. Era uma sereia morena: mulher até a cintura e peixe dali até a cauda. Ela cantava e sorria. Pulou para dentro da canoa e deitou no fundo. Valdeci, hipnotizado, já não soube o que aconteceu.

Acordou com o sol batendo forte. Soube que estava perto da costa porque escutou gritos e vozes conhecidas. Tiraram Valdeci e deitaram-no na praia. Ele ficou olhando para o céu azul, sentia-se feliz e seco. O murmúrio do mar provocava sono e dava uma sensação de paz. Muita paz. Chamou sua atenção que não o cercassem, que não fizessem perguntas. Incorporou-se e viu que todos estavam ao redor da sua embarcação, mudos e com caras de grande assombro. Com dificuldade, caminhou até o grupo, abriu caminho e viu, admirado, o que lhes causava tanto espanto.

Autor